A conhecida expressão popular traduz a desonestidade alinhada ao oportunismo. No entanto, esta frase de efeito definitivo foi corrigida por Machado de Assis, ao pontuar que “a ocasião faz o furto, o ladrão já nasce feito”. De qualquer forma, é nítido que estamos tratando de exploração e vantagens obscuras, de dilapidação.
A partir deste pressuposto, conjecturo sobre a farta possibilidade de sermos roubados durante toda nossa trajetória de vida. Conforme nossa condição intelectual, emocional, social e econômica, podemos ser usurpados no amor, em bens materiais, nos sonhos e até em nossos direitos constitucionais e civis.
E ao fazer a correlação com a política, em ano eleitoral é preciso estar mais atentos do que nunca para que os “oportunistas” não tenham sucesso, já que, neste caso, a ocasião seria a eleição. O que seria, então, a política de ocasião? São as manobras do mau agente político para se apresentar de forma benevolente apenas quando lhe interessa, ou seja, nos anos em que o voto cai na urna.
Os “pacotes de bondades” promovidos por governantes com este perfil têm a única finalidade de mantê-los no poder. Por isso, cabe às pessoas verdadeiramente de bem, pessoas verdadeiramente decentes, não aceitar a política e os políticos de ocasião, sobretudo neste período de pós-pandemia.
Tanto sofremos, tanto purgamos…mas será que aprendemos? E se aprendemos, vamos continuar convivendo com soluções de ocasião, milagres de superfície? A pandemia vai passar, mas os desafios da Medicina continuam. E por isso a Medicina também não pode ser de ocasião. Não podemos aceitar esta Medicina em que se oferta o serviço de saúde somente quando convém ao ofertante, por meio de vantagens superestimadas e argumentos muitas vezes espetaculosos, como as caravanas e campanhas pontuais.
Devemos ter consciência dos nossos direitos, para que não sejamos ludibriados com discursos vazios e sem sintonia com quem realmente necessita de atenção, os mais pobres, aqueles que realmente dependem das políticas públicas. Não adianta fazer mutirão de exames e cirurgias, se no decorrer dos anos fecham-se leitos hospitalares em diversas cidades do interior.
Pouco se resolve entregando uma obra ou equipamento, se o estado não oferecer parceria e condições para manutenção e continuidade do serviço com apoio de custeio. Nada se resolve sem os profissionais valorizados, capacitados e habilitados na área da saúde. Para garantir que se cumpra o artigo 196 da Constituição Federal (“a saúde é direito de todos e dever do Estado”), é necessário dar amplo acesso ao sistema único de saúde, de forma rápida e eficiente.
A saúde do povo não pode esperar a caravana passar. Os atendimentos e o acesso ao SUS precisam estar disponíveis constantemente. É desolador quando alguém necessita de um tratamento oncológico imediato e só o encontra quando a doença já está muito avançada, perdendo muito da chance de cura. É frustrante para nós, trabalhadores da saúde, pedir um exame para auxiliar no diagnóstico de alguma doença, e acompanhar a romaria e a demora para conseguir realizar esses exames.
Creio ser bem mais eficiente a busca pela conscientização de todos. Das pessoas que utilizam o sistema único de saúde e de todos que necessitam de políticas públicas para ter a sua necessidade por cidadania atendida.
Chega, sempre, para todos, o momento de dar um basta, de cada um deixar bem claro que não aceita mais ser massa de manobra. A ocasião é agora. É hora do “Não” à política de ocasião.
Viviane Nogueira Orro é médica nefrologista, trabalhadora do Sistema Único de Saúde (SUS) há 22 anos e presidente do PSD de Aquidauana-MS.