Dizem que música é remédio pra alma. No Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap-UFMS), filiado à Rede Ebserh, esse salutar ‘medicamento’ vem sendo administrado em doses generosas aos pacientes por um grupo de estudantes da Faculdade de Medicina (Famed) e do Curso de Música todas as semanas. Trata-se do projeto Vida em sinfonia, coordenado pela professora da Famed, Cláudia Du Bocage Santos Pinto.
“A ideia para o projeto partiu dos próprios estudantes. Eu coordeno a Liga de Cuidados Paliativos, com a médica do Núcleo de Ensino, Pesquisa, Assistência e Extensão em Cuidados Paliativos (Nepae-CP) do Humap-UFMS/Ebserh, Rosângela Rigo. É uma liga multi, formada por estudantes de vários cursos como Medicina, Psicologia, Fisioterapia e Enfermagem. Nas atividades da Liga eles realizam discussões teóricas sobre temas que perpassam a relação empática de profissionais com pacientes e as relações interpessoais como ferramentas do cuidado. Aliado a isso, eles desenvolvem atividades práticas nos ambulatórios do Hospital, acompanhando a equipe de cuidados paliativos e assim estão em contato constante com os pacientes”, explica Cláudia. “Essa vivência despertou em alguns ligantes a ideia de desenvolver esse projeto. Alguns deles possuem aptidão para a música e muita destreza com alguns instrumentos. A proposta buscou agregar ainda estudantes de outros cursos, como o de Música da UFMS. Com isso, eles resolveram se organizar e, em seus horários vagos da grade curricular, passaram a levar sessões de música para os pacientes de vários setores do Hospital”, complementa.
A coordenadora explica que desde a idealização do projeto até o início das atividades, se passaram alguns meses. “A aprovação para que pudesse ter início ocorreu durante as férias acadêmicas. E, foi nesse momento, que as atividades foram iniciadas, com as primeiras idas ao Hospital para tocar para os pacientes. Isso mostra o envolvimento e o genuíno altruísmo dos que estão envolvidos”, destaca. Atualmente, compõem o grupo 13 extensionistas, que preenchem o ambiente hospitalar com sons de violino, violão, flauta, piano e vozes, executando melodias variadas.
“A musicoterapia como uma das práticas integrativas do cuidado tem como objetivo acolher, criando um clima humanizado, atinge tanto a população leiga quando os profissionais da área de saúde, criando uma harmonia entre todos. Auxilia no suporte dos familiares durante o processo de doença e o enfrentamento decorrentes do adoecimento do ente querido. A música ajuda as pessoas de todas as idades a encontrar a cura e a esperança, bem como uma oportunidade de retribuição mútua, fazendo-a sentir-se incluída no todo. A música envolve a pessoa com sua história, nas lembranças, tornando o ambiente hospitalar mais leve, mais parecido com seu lar”, comenta a médica do Nepae-CP.
As doses de música boa são administradas em três dias da semana. “Tínhamos uma ideia do que fazer. Toco piano desde criança e sempre gostei da música. Pensei que poderia ser uma ideia legal, pois já tinha visto em outros hospitais. Conversei com a professora Claudia e aprovamos o projeto agora no meio do ano, em julho que começamos. Fazemos as visitas nas terças, quintas e sextas no período da tarde ou da manhã, dependendo da compatibilidade com nossas atividades”, fala a estudante de Medicina Cecília Miozzo Figueiredo.
Ela toca piano e canta. “A experiência desde o início tem sido muito legal. Já fomos na Pediatria, Clínica Médica, Clínica Cirúrgica e Nefrologia. Os pacientes gostam, ficam felizes e têm alguns que até pedem música. Outros ficam acanhados no começo e depois se soltam. Sempre temos muito retorno das pessoas”, diz Cecília. Ela lembra inclusive de uma história um tanto engraçada. “Uma amiga minha estava visitando um parente seu. Ao perguntar como ele estava, se surpreendeu com a resposta: estou me sentindo muito bem, comecei a escutar um violino e achei até que estava no céu. Tem sido uma experiência muito positiva e até a equipe às vezes se empolga, conta.
“No grupo dos estudantes de Música, uma colega falou que havia alguém do curso de Medicina procurando pessoas para tocarem em um projeto no Humap. Eu sempre gostei da área mais terapêutica, da cognitiva. Entrei em contato com a Cecília e fomos conversando. Por ser um projeto que vincula as duas áreas e também por ser um projeto muito bom, uma ótima iniciativa, gostei muito e decidi participar, dando um jeitinho nos meus horários”, relata a estudante Julia Vieira Pinheiro. Além de cantar, ela toca violão, teclado/piano, ukulele e clarinete.
Júlia avalia a experiência como muito gratificante e pensa até em torna-la tema do seu trabalho de conclusão de curso (TCC). “É uma sensação muito boa. Poder entrar, ver os pacientes e o quão é importante isso pra eles. É algo inesperado e eles têm um minuto de paz. Você se sente muito cansado às vezes, pois demanda um pouco da nossa energia, mas ao ver os pacientes gostando e elogiando, é revigorante. Como pessoa, isso faz me sentir viva. Como graduanda, só acrescenta mais na futura vida profissional. Até já me questionei sobre o que levar para o TCC e de repente essa pode ser uma temática”, fala.
O grupo se reúne antes das visitas e decidem sobre o repertório, alinham como e em que setor estarão naquele dia. “Estamos nivelando os nossos repertórios, cada um compartilha o que acha mais interessante e assim vamos montando o repertório do projeto. Claro que quando chegamos no quarto e os pacientes querem alguma música que não conhecemos, damos uma improvisada. Mas, vamos sempre no viés das mais conhecidas para atender os pedidos”, explica Júlia. E os pedidos são os mais variados, indo do gospel, passando pela música popular brasileira, até sertanejo, por exemplo.
“Eu fico extremamente feliz ao ver essa iniciativa partindo deles. Os feedbacks dos pacientes são imediatos e creio que podem ser vistos pelos sorrisos e olhares durante as apresentações. Esperamos que outros estudantes possam ser envolvidos para que o trabalho tenha continuidade”, enfatiza a professora Cláudia.
Em uma das apresentações, o grupo tocou, mas também foi tocado por um depoimento emocionado da esposa de um dos pacientes internados na Clínica Médica. “É um projeto muito lindo. Cada quarto que eles vão deixam um pouquinho deles conosco. Essa última música foi pra mim uma declaração de amor ao meu esposo, que está internado há 30 dias. Além de ser muito importante, tem feito a diferença no tratamento. São como anjos”, fala emocionada Katia Magali.
“Eles tocaram essa música do Roberto Carlos (Como é grande o meu amor por você) e me lembraram de quando eu cantava essa música nas serenatas. Só de ter a disposição de vir até aqui e cantar, e tocar, já é demais. Não há dinheiro nenhum do mundo que pague por isso”, diz o paciente Elizaldo de Lima. Ele conta que fazia serenatas no fim das décadas de 1980 e 1990 em Campo Grande mesmo, junto a um amigo.
E não são apenas os pacientes que recebem esse tratamento tão especial. A equipe da Clínica também ganhou um concerto exclusivo. Ao ouvir e ver os estudantes fazendo as visitas aos internados nos quartos, eles também pediram um pouquinho desse remédio valoroso. Pedido feito, pedido aceito. O grupo atendeu a dois pedidos da equipe multiprofissional que atua no setor e estava na sala de apoio. Annelyse Lima Caramalaki da Silva é enfermeira no Humap-UFMS/Ebserh e avalia a iniciativa como maravilhosa. Segundo ela, o hospital é um local onde geralmente, predomina um ambiente mais pesado, difícil, mas com a música tudo se torna mais leve. “A música alcança os pacientes em lugares que os medicamentos não chegam, que nós nunca iremos alcançar”, destaca.
Além de Cecília e Júlia, compõe o grupo os estudantes: Isadora Franco da Silva (violão e voz), Vinícius Coelho Morato Rocha de Carvalho (saxofone alto), Ygor Vinícius (violino), Andriely Soares Machado (teclado e voz), Fernanda Rodrigues da Silva (violão), Helton Luciano Canhete de Souza Carvalho (violão e voz), Rayssa Lucena Sposito (voz), Agnaldo Plaster (flauta transversal), Igor Luciano Canhete Rondon (voz e violão) e Karoline Lopes Teixeira e Mariana Garcia Sakae, no suporte e divulgação das ações do projeto, que tem, inclusive perfil no Instagram.
Sobre a importância para os extensionistas, a professora Cláudia acredita que o projeto contribua ainda mais para o desenvolvimento de competências que permeiam a relação profissional de saúde – pacientes. “Essa é uma questão tão importante, mas que por vezes não é tão valorizada nas grades curriculares da graduação quanto as questões técnicas do cuidado em saúde. Por meio dessa iniciativa eles estão próximos aos pacientes e seus familiares sob outra perspectiva. Eles percebem nesses encontros que o cuidado, de fato vai além das intervenções médicas, e envolve tudo aquilo que traga qualidade aos dias de vida daqueles indivíduos”, avalia. “Com isso, percebo que não só os pacientes são brindados com essa ação, mas também os próprios estudantes e profissionais que vivenciam esses encontros. Além disso, ao meu ver, isso agrega à própria Instituição, ao ser ela o local que oferta esse cuidado integral e sensível a seus pacientes”, completa.
Sobre a Ebserh
Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 41 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.
Texto: Vanessa Amin