Mais de um quarto dos médicos paulistas não adota hábitos saudáveis de vida que costumeiramente recomendam aos pacientes, como a prática regular de exercícios físicos.
Pesquisa inédita da APM (Associação Paulista de Medicina), feita com 778 médicos que atuam no estado de São Paulo, mostra que 27% são sedentários.
A taxa é quase o dobro da registrada entre os adultos de 26 capitais brasileiras mais o Distrito Federal (15%), segundo dados do Vigitel 2021, inquérito telefônico do Ministério da Saúde que levanta fatores de risco para doenças crônicas.
Entre os que praticam alguma atividade física regularmente, 15% o fazem cinco ou mais vezes por semana; 13,75%, quatro vezes; 23,52%, três; 15,94%, duas; e 4,7%, apenas uma. A maioria (68%) não dedica mais do que 30 minutos aos exercícios.
A recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) é a prática de 150 a 300 minutos de atividades físicas por semana.
A pesquisa da APM foi feita por meio de um questionário online e não tem desenho metodológico para representar toda a categoria paulista. Mais da metade (53%) são médicos da capital; 39%, do interior; e 8%, de outros estados. A maioria (54%) tem até 50 anos.
“O objetivo foi entender quais os hábitos mais ou menos saudáveis entre os colegas para pensar em campanhas e outras estratégias de prevenção”, diz o anestesiologista e intensivista José Luiz Gomes do Amaral, presidente da APM.
Segundo o levantamento, mais da metade dos médicos usa algum remédio (54%). Tranquilizantes, ansiolíticos e antidepressivos são os mais consumidos (30%), seguidos de medicamentos para o controle da hipertensão (24%), dos níveis de colesterol (19,8%) e da diabetes (11,5%).
Entre os problemas de saúde que têm ou tiveram no último ano, os mais citados são: distúrbios do sono (44%), cefaleia (30%), distúrbios psicológicos (22%) e disfunções sexuais (11%).
A saúde mental daqueles que cuidam da gente também inspira cuidados: 72% relatam desânimo e impaciência; 21,5%, depressão; 26%, alterações na memória; e 31%, falta de atenção e concentração. De acordo com a pesquisa, um quarto dos entrevistados (24,94%) diz que não tira férias.
Uma outra pesquisa divulgada em setembro por uma plataforma médica, com profissionais de todo o país, mostra que um terço deles apresentou sintomas de depressão nos últimos 12 meses. Percentual parecido diz ter sintomas de transtornos de ansiedade e esgotamento profissional (“burnout”).
No entanto, a maioria declara que não buscou ajuda especializada para lidar com esses problemas.
O fator mais associado ao “burnout” foi o número excessivo de horas de trabalho, seguido de salários insuficientes e falta de realização profissional.
A médica Ana Amorim, diretora de exercício profissional da Associação Paulista de Medicina de Família e Comunidade, afirma que é perceptível um grande aumento de problemas relacionados à saúde mental dos médicos que estão na ponta do sistema público de saúde, na atenção primária, e que também trabalham em plantões nos prontos-socorros de hospitais.
“Esses problemas dizem muito respeito ao esgotamento profissional, mas não vêm sozinhos. Frequentemente está associado a toda equipe de trabalho. Uma das situações apontadas como motivadora é, sem dúvida, a pandemia, que levou ao aumento da carga de trabalho sem recursos humanos adicionais.”
Na pesquisa, só metade dos médicos declara cumprir jornadas de oito horas diárias e 44 semanais, estabelecidas na Constituição. A outra parte da categoria adota jornadas de até 50 horas (25%) ou de até 60 horas ou mais (24,3%).
Amaral, da APM, diz que mais estudos serão necessárias para avaliar quanto desse sofrimento mental é resultado da pandemia, da falta de atividades físicas, do excesso e das condições de trabalho. “Há um claro processo de pejotização dos médicos, com vínculos trabalhistas muito precários. Isso tudo afeta a saúde mental”, comenta.
Segundo a médica Ana Amorim, essa precarização dos contratos de trabalho, com muitos profissionais autônomos sendo contratados como pessoa jurídica por meio das organizações sociais de saúde (OSS), tem provocado impactos negativos aos médicos e à assistência oferecida à população.
“Os profissionais se sentem menos vinculados aos serviços. São cobrados muito mais por números quantitativos do que qualitativos. Na prática isso impacta na assistência. Profissionais que não se sentem contemplados, que estão adoecidos e que chegam ao seu limite, acabam abandonando os seus cargos de trabalho.”
Os recentes cortes de recursos do governo federal em programas importantes como o Farmácia Popular e o HIV-Aids, que podem gerar falta de remédios, além de alterações de estratégias na APS (atenção primária à saúde), sem consulta aos profissionais de saúde que estão na ponta, também são fatores de sofrimento mental, segundo Amorim.
A pesquisa da APM mostra que o impacto da Covid foi grande entre os médicos e continua gerando efeitos negativos. Cerca de 68% dizem que foram infectados uma ou mais vezes, 28% afirmam que não contraíram a doença, o restante respondeu que não sabe.
Entre os que se queixam dos efeitos da Covid longa, 32% relatam fadiga; 16%, perda de memória; 15%, queda de cabelo; 14%, dores musculares; 11,7%, tosse persistente; e 10,4%, perda do olfato ou paladar.
Nove em cada dez médicos dizem que tomaram pelo menos uma dose da vacina contra a Covid-19.
Mais da metade (58,6%) está imunizada com as quatro doses; 33%, com três; 6,2%, com duas; 0,4%, com uma. Apenas 1,41% dos entrevistados diz que não tomou nenhuma dose. “A grande maioria dos médicos é a favor da vacina, da ciência”, diz Amaral.
Segundo ele, a pesquisa traz outra uma boa notícia em relação ao tabagismo: só 5% dos médicos se declaram fumantes, contra 9% da população brasileira em geral, de acordo com o Vigitel. A grande maioria (77,7%) diz que nunca fumou e 16%, ter abandonado o hábito.
“Quando eu comecei a praticar medicina, nos anos 1970, 1980, havia um percentual muito alto de médicos fumantes. É muito importante essa mudança. Não adianta só prescrever a abstenção do tabagismo, tem que dar o exemplo.”
Fonte: Correio do Estado